SER NEGRO E REFUGIADO É (QUASE)  O FIM DA PICADA

O Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) angolano garantiu hoje que vai continuar a apoiar refugiados da República Democrática do Congo (RDCongo) no assentamento do Lóvua, província da Lunda Norte, mesmo após o encerramento do ACNUR em Angola.

Numa nota à imprensa, por ocasião do Dia Mundial dos Refugiados, que hoje se comemora, o SME sublinha que continuam os esforços para assegurar a regularização desses refugiados em território angolano.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou, em finais de Maio, o encerramento dos seus escritórios em Angola devido a limitações financeiras, deu conta a sua representante no território angolano, Emmanuelle Mitte.

Em 2017, um grupo de refugiados da RDCongo, estimados em cerca de 35 mil pessoas, chegou a Angola à procura de segurança devido à violência que se registava na altura na região do Kasai, afectada por um conflito armado.

De acordo com a nota do SME, uma das prioridades é a emissão de documentos de identificação pessoal aos refugiados do Lóvua, instrumento essencial para a promoção da sua dignidade, protecção legal e integração socioeconómica, matéria que se encontra sob avaliação, no âmbito do Conselho Nacional para os Refugiados, criado em 2018.

Segundo o SME, esta instituição já submeteu às instâncias competentes um memorando, contendo as acções prioritárias a desenvolver neste processo, entre as quais a regularização documental dos refugiados do assentamento, com vista à salvaguarda dos compromissos assumidos por Angola em matéria de direitos humanos e protecção internacional.

“O Governo de Angola reafirma, assim, o seu compromisso com princípios de solidariedade e responsabilidade partilhada, promovendo soluções duradouras para os refugiados no respeito pela legislação nacional e pelas convenções internacionais de que o país é parte”, salienta-se no documento.

O ACNUR, num comunicado por ocasião da data, destacou que há décadas que Angola tem acolhido milhares de refugiados, incluindo mais de 6.000 actualmente instalados no assentamento do Lóvua, Lunda Norte, região fronteiriça com a RDCongo.

“Apesar das restrições financeiras a nível global, Angola continua a demonstrar solidariedade com as pessoas deslocadas à força, trabalhando lado a lado com o ACNUR para manter o acesso a serviços básicos e reforçar a convivência pacífica entre refugiados e comunidades anfitriãs”, sublinha a organização das Nações Unidas.

Segundo o ACNUR, no Lóvua, “a solidariedade traduz-se em acções concretas”, com a construção de infra-estruturas, como escolas públicas e centros de saúde, que prestam serviços tanto a refugiados como a cidadãos angolanos.

“Paralelamente, iniciativas agrícolas apoiadas pelo ACNUR, PAM [Programa Alimentar Mundial] e autoridades locais estão a ajudar centenas de agricultores das comunidades de acolhimento e de refugiados a aumentar a produção alimentar e a fortalecer a sua resiliência”, enfatiza a organização.

A representante do ACNUR em Angola, Emmanuele Mitte, citada na nota, realçou que quando é dada oportunidade aos refugiados, “eles contribuem significativamente para as comunidades que os acolhem”.

Angola acolhe mais de 56 mil refugiados e requerentes de asilo, principalmente da RDCongo, que constituem 42% do total.

A grande maioria está concentrada em Luanda (68%), seguindo-se a Lunda Norte, que acolhe quase 7.000 refugiados no assentamento do Lóvua.

140 MILHÕES DE REFUGIADOS E DESLOCADOS ESTE ANO

A agência da ONU para os refugiados estima que o número de pessoas forçadas a fugir das suas casas chegue este ano aos 140 milhões, mantendo a tendência de crescimento dos últimos 12 anos.

O número, avançado pela responsável de Comunicação e Relações Externas da Portugal com ACNUR (Alto Comissariado da ONU para os Refugiados), Joana Feliciano, mostra um “agravamento das tragédias humanas” e da necessidade de ajuda humanitária.

Actualmente, “temos mais de 122 milhões de pessoas deslocadas à força”, avançou a responsável, adiantando que este número contempla pessoas com o estatuto de refugiados, requerentes de asilo, apátridas e pessoas deslocadas internamente.

Estas pessoas são “vítimas do intensificar dos conflitos, das violações dos direitos humanos, de perseguições”, mas também de “um crescente impacto das alterações climáticas”, alertou Joana Feliciano, acrescentando que o clima está a provocar crises humanitárias sobretudo em países e regiões como Moçambique, Sahel, a região do Corno de África ou Myanmar.

“Sabemos que, em 2025, vamos precisar de 10 mil milhões [de euros] a nível global para conseguir garantir respostas humanitárias no terreno e, em particular, para as emergências que carecem de maior financiamento, nomeadamente a Ucrânia, o Líbano, a Etiópia e o Sudão”, mas também “Myanmar, Afeganistão e Síria”, avançou a responsável.

“O fosso entre as necessidades e a resposta humanitária é gigante”, admitiu, reconhecendo que a situação se tornou mais crítica desde que a nova Administração dos Estados Unidos, liderada pelo Presidente Donald Trump, decidiu “‘pausar’ durante cerca de 90 dias a Agência de Desenvolvimento Externa”.

A Casa Branca publicou, no início deste ano, uma ordem executiva que congelava, durante 90 dias, a ajuda externa fornecida pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID na sigla em inglês), o maior doador individual do mundo.

Segundo o Presidente dos EUA, a decisão deve-se à necessidade de tentar expulsar os “extremistas loucos” que alegadamente dirigem a agência, responsável, no ano passado, pelo fornecimento de 42% de toda a ajuda humanitária das Nações Unidas no mundo.

“Isto vai, naturalmente, impactar também o ACNUR, já que os Estados Unidos é um dos principais financiadores para a ajuda humanitária”, alertou a responsável.

“O Sudão vai precisar de muita resposta em 2025”, garantiu, lembrando que, desde o início dos conflitos, em Abril de 2023, mais de 12 milhões de pessoas fugiram do local onde viviam e o número pode aumentar “para mais de 16 milhões”.

Também o Afeganistão é um dos destaques da responsável, não só porque o país vive há mais de três anos as perturbações associadas à tomada do poder pelos talibãs, em agosto de 2021, mas porque “os afegãos continuam a debater-se com uma crise económica terrível, com os impactos crescentes das alterações climáticas e com a diminuição dos direitos e liberdades, em particular das mulheres e raparigas”.

O ACNUR debate-se ainda com outras emergências prolongadas como a de Myanmar, onde, “sete anos depois de 750 mil [pessoas da comunidade] Rohingya terem fugido da repressão violenta no estado de Rakhine, a situação continua a piorar”, ou como a da República Democrática do Congo, onde o escalar da violência continua e “já provocou mais de 400 mil pessoas deslocadas” desde o início de 2025.

“Estamos a falar de quase o dobro de pessoas deslocadas relativamente a todo o ano de 2024, em apenas um mês e poucos dias”, sublinhou.

Depois, entre os casos mais recentes de necessidade de ajuda, destaca-se a Síria, onde o grupo Hayat Tahrir al-Sham liderou uma ofensiva-relâmpago que derrubou o regime de Bashar al-Assad no início de Dezembro passado e onde agora “é preciso apoiar os que querem voltar a casa”.

“Estamos a perspectivar que, não só na Síria mas a nível global, seja necessário garantir a protecção e apoio a 2,9 milhões de refugiados que pretendem ser reinstalados e que retornam, muitos deles, aos seus países de origem”, estimou.

“Infelizmente, podia destacar muito mais emergências, nomeadamente a da Ucrânia, que já tem quase três anos, e falar de 6,7 milhões de refugiados deslocados internos, mas são muitos números e muitas carências”, disse, destacando que, mesmo com tantas situações a que dar atenção, o ACNUR tem de estar sempre preparado para os imprevistos.

“Temos de abastecer os nossos armazéns e também dar formação ao pessoal, porque, em qualquer momento pode ser declarada uma nova emergência ou a necessidade de reforço da resposta humanitária”, referiu a responsável.

“Cerca de 300 milhões de pessoas no mundo necessitam de assistência humanitária e protecção, entre as quais as mais de 140 milhões que se perspectiva constituírem o grupo de deslocados à força”, sublinhou a representante da Portugal com ACNUR, apelando à solidariedade dos governos e das pessoas para garantir que a resposta humanitária não é cortada.

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